sexta-feira, novembro 04, 2005

Os três Porquinhos



Será que os americanos, quando eram pequeninos, não leram a história dos três porquinhos?

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Se tivessem lido, seguramente não construiriam casinhas de papel que se desfazem como castelinhos de cartas.

Nós, que até temos um clima ameno e pouco dado a ventanias, construímos as nossas casas com ferro, tijolos e betão armado, não vá aparecer o lobo mau e levar-nos duma assentada, o que construímos numa vida.

Eles, ufanos e pouco previdentes, insistem nas tabuínhas.Eles, ufanos e pouco previdentes, insistem nas tabuínhas.

A cultura dos povos está assente nos ensinamentos comuns que vão sendo adquiridos ao longo da vida e se transmitem nas escolas, nos centros religiosos, nos meios de comunicação e, antes de tudo, no seio das famílias. Aqui, existe um conjunto de valores sedimentados através dos hábitos, dos afectos e das histórias partilhadas, cuja moral funciona como uma espécie de alicerce à construção ética de cada indivíduo. No caso dos três porquinhos, a moral da história funciona mesmo como alicerce das nossas casas.

A cobiça é má, diz-nos a raposa, a vaidade é destrutiva, diz-nos a rainha malvada, o trabalho e a humildade compensam, dizem-nos a cinderela e a branca de neve, a beleza interior é mais valiosa que a exterior, dizem-nos o monstro e o pato que era cisne. Enfim, poderia debitar um sem número de fábulas e histórias infantis, que além de nos terem encantado, nos ajudaram, a todos, a estabelecer valores e prioridades, ao longo das nossas vidas.

As recentes tragédias no sudeste dos Estados Unidos, relacionadas com os já previsíveis e muito habituais furacões, tornados, tempestades, ciclones e tudo mais que o mar quente das Caraíbas ajuda a alimentar, provocam-me sempre uma inevitável pergunta: Será que os Americanos nunca leram a história dos três porquinhos?
Sempre que vejo na televisão as impressionantes imagens de povoações inteiras destruídas pela fúria dos ventos, de casas arrancadas pelo sopro da tempestade, lembro-me do lobo mau, soprando a casa do leitão preguiçoso e displicente, que preferia construir depressa a sua casa, a proteger-se dos perigos anunciados.

Com esta história, nós, ao menos, percebemos a importância de sermos previdentes.
E desenvolvemos uma série de adágios que o confirmam:
“Não vale a pena chorar sobre leite derramado”, “Mais vale prevenir do que remediar”, “Não é depois da casa arrombada que se põem as trancas à porta” etc, etc. Tudo ditados que atestam a importância da prudência como valor necessário.

Proteger os nossos bens, trabalhar mais para construir um edifício mais sólido, tem as suas compensações. Por isso, acho que vou traduzir a história da minha infância e enviá-la para a Florida.

Confesso, contudo, que não tenho muita fé. Porque “é de pequenino que se torce o pepino” e acho que os americanos já são demasiado crescidos para aprender.

E depois do próximo furacão, lá irão eles, todos contentes, construir rapidamente as suas casinhas de papel, com ripinhas de madeira e grades e alpendres voadores, com as suas janelas abertas ao vento, à espera que o lobo mau decida soprar outra vez...

S. Santos